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Rubens Valente

Governo exonera chefes da fiscalização do Ibama; servidores veem retaliação

Hugo Loss, então coordenador de operações de fiscalização do Ibama, em Brasília, durante operação no sul do Pará. Ele foi exonerado do cargo nesta quinta-feira (30). - Álbum de família
Hugo Loss, então coordenador de operações de fiscalização do Ibama, em Brasília, durante operação no sul do Pará. Ele foi exonerado do cargo nesta quinta-feira (30). Imagem: Álbum de família

Colunista do UOL

30/04/2020 01h23

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente do Ibama, Eduardo Bim, exoneraram nesta quinta-feira (30) os dois chefes do setor do Ibama responsável pelas grandes operações de repressão a crimes ambientais no país. Os atos, publicados no "Diário Oficial" nesta madrugada, ocorrem duas semanas depois da operação que ambos coordenaram a fim de fechar garimpos ilegais e impedir a disseminação do novo coronavírus em terras indígenas no sul do Pará.

Renê Luiz de Oliveira, coordenador-geral de fiscalização ambiental, e Hugo Ferreira Netto Loss, coordenador de operações de fiscalização, são servidores concursados do órgão. No cargo de Renê foi nomeado o coronel da reserva da PM de São Paulo Walter Mendes Magalhães Júnior, trazido por decisão de Salles no ano passado ao Ibama, onde foi superintendente no Pará.

A versão oficial do Ibama é que as substituições foram solicitadas pelo novo chefe da Dipro (Diretoria de Proteção Ambiental), o major da PM paulista Olímpio Magalhães, que tomou posse no cargo há 15 dias, depois que o então diretor da área, Olivaldi Azevedo, também foi exonerado por decisão de Ricardo Salles.

Outro oficial da Polícia Militar de São Paulo, Azevedo foi destituído do cargo um dia depois que o programa Fantástico, da TV Globo, exibiu uma reportagem sobre a mesma operação realizada pelo Ibama no Pará. A ação levou à incineração de diversas máquinas e equipamentos usados pelos garimpeiros.

Loss participou "in loco" da operação e também foi entrevistado pela TV Globo. No ano passado, Loss assumiu o cargo de coordenador no lugar de Roberto Cabral, um fiscal também de perfil técnico e operacional, que foi exonerado da mesma função em abril do ano passado, já no governo Bolsonaro. Na opinião de fiscais, a exoneração de Cabral também foi retaliação velada ao seu trabalho de campo. Renê Oliveira ocupou o cargo de chefia em duas gestões diferentes no Ibama, nos governos de Dilma Rousseff e de Michel Temer, e vinha sendo mantido no cargo até agora pelo peso do seu perfil técnico.

Uma mobilização entre fiscais do Ibama nos últimos dias não impediu as exonerações. No último dia 21, um grupo de 16 servidores vinculados às coordenações enviou uma nota à presidência do órgão para pedir a suspensão dos processos de exoneração. No texto, os fiscais denunciaram retaliação e "possibilidade de dificultar e, talvez, obstruir as investigações e as operações em curso".

A saída de Renê e Loss, que vinham dando respaldo às ações de fiscalização, é considerada por fiscais uma guinada definitiva rumo ao controle, ambicionado pelo governo, das atividades de campo do órgão ambiental. Durante a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro reclamou diversas vezes do que chamava de "festa de multas" do Ibama. Ele próprio foi multado ao ser flagrado pescando ilegalmente numa reserva protegida no Rio de Janeiro, em 2012. Bolsonaro também já reclamou publicamente da queima de equipamentos flagrados em atividades ilegais na Amazônia. A destruição do maquinário é feita pelos fiscais do Ibama com base em um decreto de 2011.

O fiscal responsável pela multa contra Bolsonaro, José Augusto Morelli, foi exonerado em março do ano passado do cargo de chefe do Centro de Operações Aéreas da Dipro. Na época, o fiscal atribuiu sua exoneração a uma "vingança pessoal" de Bolsonaro.

Operações

Renê Oliveira trabalha há quase 15 anos no Ibama, tendo ingressado no órgão por concurso público em outubro de 2005. Ele foi superintendente do Ibama em Rondônia e passou alguns meses na Superintendência do Amazonas antes de assumir a coordenação a convite do então diretor da Dipro, Luciano Evaristo.

"Conheci o René em Ji-Paraná, em Rondônia. Ele trabalhava com jacarés. Os profissionais de fauna são diferenciados por lutarem pela vida animal. Para eles não tem dia ou noite. Com diária ou sem diária ou sem suprimentos de fundos, trabalham com afinco até pagando do bolso", disse Evaristo, que se aposentou no Ibama em fevereiro passado.

"Este amor pela causa ambiental e a capacidade de planejamento e liderança chamaram a nossa atenção e lhe confiamos uma das tarefas mais árduas do Ibama, a Coordenação Geral de Fiscalização Ambiental, onde atuou com desenvoltura no cumprimento das missões. O Renê sai com o dever cumprido, admirado por todas as instituições que lutam contra o crime ambiental e nós servidores seremos eternamente gratos pelos seus serviços no comando da fiscalização ambiental federal do Brasil", disse o ex-chefe de Oliveira.

A ex-presidente do Ibama Suely Araújo, da gestão Temer, disse que Oliveira foi trazido a Brasília "exatamente pela experiência de campo". "Conhece muito fiscalização ambiental. Era um coordenador que já trabalhou em tudo na fiscalização, da ponta até planejamento e a parte da estratégia. Era ele realmente fazendo aquilo que ele conhece, a vida toda", disse Suely.

Hugo Loss trabalha no Ibama desde 2013. A princípio atuava na área de licenciamento, depois assumiu o escritório do Ibama em Altamira (PA), na gestão de Suely, e passou a tomar gosto pela fiscalização de campo, área na qual entrou também a convite de Luciano Evaristo. Atuou em Manaus (AM).

Loss participou ativamente da Operação Arquimedes, que foi dividida em duas fases, em 2017 e 2019, e desencadeada a partir de levantamentos feitos pelo fiscal Roberto Cabral, em Brasília, pela Receita Federal e Polícia Federal. A investigação revelou um esquema de fraude no transporte de madeira retirada ilegalmente de áreas protegidas da Amazônia e escoadas pelos portos de Manaus. Durante a investigação, Loss recebeu ameaças de morte e se tornou testemunha nas ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal.

A segunda fase da operação, já no governo Bolsonaro, levou à prisão de 29 pessoas, incluindo o ex-superintendente do Ibama no Amazonas José Leland Juvêncio Barroso, que foi preso por supostos porte ilegal de arma de fogo e peculato - ele negou quaisquer irregularidades.

Barroso foi um dos signatários de uma carta encaminhada ao então candidato eleito, Jair Bolsonaro, com críticas à política centralizada do Ibama e a afirmação de que o órgão tinha uma gestão ideológica alinhada com partidos como PT e PSOL, que defenderiam interesses de ONGs, uma linha de discurso semelhante à do ministro Ricardo Salles. Quando houve a prisão de Barroso, Salles escreveu numa rede social que Barroso "só é 'ex-superintendente' porque eu demiti... Se fosse pela antiga turma 'do bem', estava lá até hoje".

O substituto de Barroso no Ibama do Amazonas foi o servidor do órgão Leslie Nelson Jardim Tavares. Nesta quinta-feira (30), ele foi nomeado para o cargo de Hugo Loss no Ibama de Brasília.

Em nome, a assessoria de comunicação do Ministério do Meio Ambiente informou à coluna: "É prerrogativa do novo diretor compor a equipe com nomes capacitados e da sua confiança".